10 de fevereiro de 2011
Verbos complicados
Eu sou uma pessoa essencialmente fácil de ler. Sempre gostei de me expressar com propriedade e me esforço muito para entender o que se passa com as outras pessoas. Por isso falo muito, mas na mesma proporção que escuto. Do jeito que as palavras anteriores foram escritas, a primeira impressão que se tem é a de que essa coisa de entender as pessoas e fazer-se entender é algo bom, mas acredite em mim quando eu digo: na maioria das vezes não é. Primeiro porque nem todo mundo é assim, aliás, a grande maioria das pessoas não é assim. E é natural do ser humano repelir aquilo que não lhe é semelhante. Quando as pessoas estão sofrendo, elas tendem a se abrir com as outras, pedir ajuda e, com o tempo, superar. Mas se no meio dessa situação, você for a pessoa disposta a ajudar e fizer isso com afinco e dedicação, as pessoas estranham e concluem que você tem segundas intenções. Ainda nessa situação, há um caso bem específico que eu gostaria de tratar, que é o de quando isso tudo envolve uma amizade. Não estou falando de ajudar uma criança carente, um idoso a atravessar a rua ou uma senhora com suas compras. Estou falando de ajudar uma pessoa com a qual você estabeleceu um vínculo prévio de consideração, uma pessoa com a qual você quer compartilhar momentos e, portanto, é uma relação que se baseia em um sistema de trocas. O fato é que não existe amizade (verdadeira) entre duas pessoas se apenas uma delas cede. E é isso que é mais complexo: a troca. Se você, caro leitor, não tiver a memória de um peixe dourado (3 minutos, aproximadamente), vai lembrar que no começo do texto eu disse que costumo me comunicar muito, falar e ouvir na mesma proporção. A questão é que isso pode ser tanto bom quanto ruim dentro de um relacionamento, principalmente nos que tem a compensação (troca) como pré-requisito de existência. Um amigo conta comigo e eu conto com ele, não é isso? Não exatamente. Eu não costumo contar com um amigo nas horas de tristeza, não costumo compartilhar minhas dores. Não sou, enfim, uma pessoa que costuma pedir ajuda. Quando estou em uma fase legal, tenho o maior prazer em dividir isso com quem eu gosto, porque é bom ver que as pessoas gostam de me ver feliz. Mas quando as coisas estão ruins, eu sinto que não tenho direito de inflingir isso a ninguém, especialmente às pessoas que eu gosto. Eu parto do princípio que as pessoas já têm problemas demais para enfrentar e que, portanto, não precisam se preocupar com os meus próprios problemas. Mas sim, ainda assim eu quero que meu amigo conte comigo, que ele compartilhe suas dores comigo, porque eu sinto que uma conversa ou um abraço são umas das poucas coisas que ainda custam pouco mesmo valendo tanto. E por não querer dividir minhas tristezas, acabo passando a impressão de que estou sempre bem, de que sei lidar racional e coerentemente com tudo que acontece; quando a verdade é que eu só não sei pedir ajuda. É evidente que, como qualquer ser humano, às vezes eu não consigo me segurar. E chega até a ser cômica a surpresa estampada no rosto de alguém que de repente me vê chorando num canto, mesmo que seja alguém realmente próximo, um amigo. E aí eu esboço um sorriso torto, contorno a situação pelo momento e sempre dou um jeito de fugir. Complicado, não? Pois é. Por incrível que pareça, entretanto, não acho que essa seja a parte mais difícil de conviver. Considero ainda mais tenso lidar com casos em que os limites da amizade não estão bem definidos; quando eu confesso coisas que jamais imaginei compartilhar, me desdobro pela pessoa (porque sei que ela está contando comigo) e de repente, numa das conversas (que tanto valem e tão pouco deveriam custar), meu amigo se sente tão à vontade para desabafar, que acaba por se mostrar uma pessoa totalmente alheia aos meus sentimentos. As palavras vão fluindo, eu finjo que entendo, que aceito, eu aconselho, pondero e calo. Calo porque de repente percebo que a troca não está acontecendo. Percebo, na verdade, que a troca nunca aconteceu. Que todo o tempo eu servi apenas como um depósito de confissões e desabafos, mas nunca de consideração ou compreensão. A pessoa profere palavras que me machucam, mesmo sabendo que machucam. E pra mim, isso sim é complicado, porque até nessa ocasião eu me encontro ajudando a pessoa, aconselhando-a a seguir em frente e, consequentemente, incentivando-a a continuar me magoando. Quer dizer, mesmo que isso me faça mal, a pessoa continua contando comigo, mas única e exclusivamente porque eu deixo que seja assim. Escrever sobre isso não vai me fazer uma pessoa melhor, não vai me fazer superar mais rápido e também não vai mudar a maneira como eu me relaciono com as pessoas; mas eu gosto de acreditar que isso pode fazer alguém se sentir melhor. Alguém que, infelizmente, também seja assim ou, por uma adversidade, tenha passado por uma situação semelhante; alguém que, mesmo não se identificando, esteja disposto a entender o que se passa comigo. Eu me esforço para me expressar através dessas palavras (mais tristes do que eu gostaria) e você, leitor, se esforça para entender alguém tão complicada como eu. É… uma relação de troca, eu diria.
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