Com certeza eu era uma raposa antes. Ágil, astuta, eu simplesmente visualizava a minha presa e a obtinha. Simples assim. E funcionou durante um bom tempo.
De certa forma, eu também era mais dócil. Há alguma doçura boba, não, essa não é a palavra, talvez ingênua, nos canídeos que eu nunca entendi por completo, mas que, com o tempo, não muda, permanece, não importa o quanto seja posta à prova.
Eis aí como eu soube que não era mais uma raposa. Em algum ponto a minha doçura não resistiu, e por um tempo, por um bom tempo, ela esteve ausente e então as pessoas começaram a dizer que eu era arisca.
Essa forma indócil cresceu. Ela amadureceu também.
A despeito de tudo que se diga dos felinos - que são ausentes, frios, indiferentes - minhas experiências com gatos sempre foram demonstrações de lealdade e amor. Seja matando fascistas ou ronronando, existe uma doçura ali que é perene, mas que tem discernimento.
Por isso hoje eu ando de forma silenciosa - apesar de alguns protestos dos meus sapatos, olho nos olhos de quem fala, escuto de forma paciente, passo muito tempo imóvel e ao sol, mantenho meus pensamentos para mim mesma, ronrono de preguiça pelas manhãs que tenho só comigo.
Mas não vá pensando que é simples conseguir que eu me trance nas tuas pernas ou que eu ronrone quando mexem no meu cabelo. Eventualmente, gatos também abrem as garras, mesmo quando estão apenas brincando de correr atrás do fio de lã.
(Isto não é uma ameaça - a não ser, é claro, que você seja um fascista.)